Eu apenas queria
que você soubesse da minha vontade de dizer tanta coisa, escrever outras tantas.
Algo que tivesse cores, nomes. Algo que me curasse de noites insones que jamais
quis dormir. Coisas que nem sei dizer, aquelas certas coisas que devem ficar no
silêncio. Como as velhas canções que terminam, mas nunca param de tocar.
Coisas do tempo de
lua e estrela, da ternura que não se envergonhava de se envergonhar por timidez
juvenil. Da flor do cáctus sob o sol de janeiro, fevereiro... qualquer sol. Das
maçãs que amanheciam alvas como se meninas em flor fossem. Dos bandolins que
ninguém mais ouvia, porque não havia mais ninguém além de nós.
Ah!... Eu queria
poder lhe dizer tantas coisas, doces como você, que eu não disse porque não
disse, porque não ouvi. Porque não deu tempo. Porque não soube do que teria
havido se desdito fosse, se dito houvesse sido. Onde está você agora? Onde
fomos parar?
Teu zói
é a flor da paisagem
Sereno fim da viagem
Teu zói
é a cor da beleza
Sorriso da natureza
Azul de prata, meu litoral
Dois brincos de pedra rara
Riacho de água clara
Roupa com cheiro de mala
Zóim assim são mais belos
Que renda branca na sala
Quem vê não enxerga a praia
Teus zói
no fim da vereda
Amor de papel de seda
Teus zói
clareia o roçado
Reluz teu cordão colado
Que renda branca na sala...
Nóis no lençol de cambraia!
Ah!... O tempo do
vento nordeste soprando pleno, sem temores, sem madrugadas interrompidas. A
música na vitrola. A toada dos afagos sorrateiros, certeiros sob a luz das
estrelas tremeluzentes na direção do dia. Arrebatadores, sem dó nem piedade, como
o mar se atirando nas pedras, carinho selvagem da natureza. Amor de papel de
seda.
Açoite que nunca
termina até a maré baixar e revelar a quietude da areia molhada, que vai
secando para se espalhar por todos os ventos da rosa dos ventos. Desmantelando
os pontos cardeais e colaterais, desviando as direções planejadas, desarrumando
a razão. Escrevendo outra história em mal traçadas linhas. Em passos firmes e
tropeços.
Onde estão as
crianças que fomos, querendo ser adultas? Que bobagem tentar apressar aquele tempo
para ver o que se passaria no amanhã! Para que tentar conhecer antes este agora
que ainda era futuro, para, neste futuro que é presente sem futuro, sentir
tanta vontade de voltar para aquele passado, que era o presente que a gente
encurtou por impaciência?
Crianças nos claros da tarde
Cachorros na boca da noite
Os galos nos dentes do dia
Cada desejo é um açoite
Eu nunca volto nem vou
Apenas sou
Aberta aquela janela
Este peito estrangulado
O que não digo me queima
Não satisfaz o falado
Não te odeio nem te amo
Apenas chamo
Viaja o vento nordeste
Cavalo de meu segredo
Se estás comigo distraio
Se vais, eu morro de medo
Eu não me lembro nem esqueço
Adormeço
Não sei em que
ponto sua mão escorregou entre os meus dedos, onde deixamos de sentir nossos
cheiros, nos perdemos de vista e do futuro que poderia ter sido. Por mais que
insista em lembrar, não sei. Não vi, não vejo, não verei o elo que se quebrou.
Há uma bruma em meu olhar, que chegou no frio que a chuva trouxe batendo na
janela.
Quis, quero,
quererei vencer o medo de dobrar a esquina que sempre me paralisou. Ali estava
o futuro que eu não quis encarar por timidez juvenil. Ali está o passado que
perdi por sensatez pueril.
Por mais que se
tente escapar, a vida é precisa. Nas dores, nos risos, no cortejo pelas veredas,
nos sussurros que incendeiam o coração. Era assim que tinha de ser. E foi! E
vai até o próximo será. Como terá sido quando eu estava no seu lábio tocando o
botão vermelho, quase flor. Nosso mistério. E seguirei pela vida sendo. Ouvindo
seu pensamento. Mudo. De lugar. Não falo. Dou de ombros ao grito sufocado. Contradigo
e acato. Desacato conformado. Amenizo.
Neste exato momento
em que você me chega escrita, estou ouvindo o seu movimento suave. Aquela
canção, enquanto escrevo tudo que você reconheceria imediatamente como louvor
ou réquiem que tanto podem ser. Um ou outro.
Vem morena ouvir comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Pra ver você mais feliz
Tanta saudade eu já senti, morena
Mas foi coisa tão bonita
Da vida, nunca vou me arrepender
Eu precisava
escrever. E escrevi pelos amores que não dão certo porque são fortes demais,
líquidos e certos. Por mim. Pela distância e pelo tempo que passou. Por tudo
que houve, por tudo que não houve e por tudo que haverá até terminar tudo. Ou
não.
Daqui a alguns dias
serão dias que passarão, que podem ser para sempre ou nunca mais. Nada demais,
haverá o amanhã como houve o ontem. É certo que o hoje mata de dúvida entre o
ir e o não ir. Adormeço. Quem sabe eu sonho? Assim, amanheço.
(*) Dedicado a
Fulano – que não tem nome porque cabem todos os nomes –, velho amigo, que
chorou comigo seu amor incerto, com dor e esperança. Ao redor de uma mesa de
bar, cercados de cervejas suficientes para nos embriagar de lembranças. E de
futuros. Incertos como os amores. “Haverá”, eu disse. E calei. Não sei se por
sofrimento ou sossego. Não fosse o amor assim, tão incerto...
(**) Trechos de Flor da paisagem (Robertinho de Recife-Fausto Nilo) / Toada-Na direção do dia (Zé Renato-Cláudio Nucci-Juca Filho) / Vento
Nordeste (Sueli Costa-Abel Silva).